A instrução normativa da Receita Federal envolvendo o PIX, que entrou em vigor no início de 2025, tem causado muita polêmica e confusão. Apesar dos repetidos desmentidos por parte do governo, a população olha com desconfiança essa ampliação da fiscalização sobre as transações feitas nessa modalidade.
As reações foram imediatas, tanto governo quanto a oposição se adiantaram em dar informações, muitas vezes conflitantes, na tentativa de ter o controle da narrativa. Somadas a isso, diversas notícias falsas passaram a ser replicadas nas redes sociais. No meio de tanta repercussão negativa, o governo se viu obrigado a emitir diversos esclarecimentos tardios com pouco, ou nenhum, efeito sobre o desenrolar dos fatos.
Apesar das repetidas declarações oficiais de que não houve a criação de qualquer tributo sobre as transações no PIX, as dúvidas e desconfianças da população persistem. Um dos motivos, para que essas afirmações sejam recebidas com tanto ceticismo, foi a recente criação do chamado “imposto das blusinhas” ano passado. A partir dele, todas as compras internacionais passaram a ser taxadas pela Receita — apesar das garantias do governo, à época, de que isso jamais aconteceria.
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A polêmica norma da receita federal sobre o PIX
Uma questão que se destaca neste episódio é o fato da polêmica instrução ter sido publicada desde setembro do ano passado. De lá para cá, o governo teve três meses para preparar o seu discurso e as devidas explicações para sociedade em relação à medida. Entretanto, o que observamos nas últimas semanas, é a alegação do Ministério da Fazenda de que foi pego de surpresa com essa notícia.
Não é crível imaginar que uma medida de tamanho abrangência possa ser tomada sem a anuência do chefe da pasta. Do mesmo modo, a ação tardia acompanhada de explicações desencontradas foi um campo fértil para a produção das fake news. Aliás, neste contexto, o governo já provou sua incapacidade em atender as demandas da sociedade por informações confiáveis
Neste sentido, quando buscamos a essência da mensagem do governo, percebemos a tentativa de mostrar uma explicação técnica de um fato que já havia se tornado político. A afirmação de que essa norma não criará novos impostos, mas apenas prevenirá divergências futuras nas declarações do Imposto de Renda, chega com 3 meses de atraso.
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Trapalhadas, Fake News e desinformação: a nova crise da comunicação
A oposição soube explorar nas redes sociais as trapalhadas da equipe Econômica do governo. O vídeo divulgado pelo Deputado Nicolas Ferreira, denominado “O PIX está unindo o povo”, alcançou a impressionante marca de 300 milhões de visualizações. A tamanha “viralização” desse assunto escancara a crise de comunicação instalada no Palácio do Planalto.
Neste sentido, não por coincidência, nesta semana a Secretaria de Comunicação Social do Governo (SECOM) passou a ser comandada pelo publicitário Sidônio Palmeira, novo Ministro das Comunicações do Governo. Aliás, segundo informações internas, sua posição foi determinante na estratégia de recuo do governo em relação ao PIX.
Apesar de toda a movimentação recente voltada para melhorar a comunicação do governo com a população, os sucessivos reveses têm posto em xeque a eficácia dessas medidas. Dessa maneira, mesmo com todos os esforços investidos no combate às notícias falsas, a desinformação continua gerando dúvidas e agravando a percepção pública da falta de transparência.
Meias verdades: o PIX é realmente livre de tributação?
Embora o PIX não seja diretamente tributado, afirmar que as medidas tomadas pelo governo não significariam nenhum tipo de taxação é, na melhor das hipóteses, uma meia verdade. Não é novidade que a Receita Federal a cada ano aperte, ainda mais, o cerco sobre as movimentações financeiras ainda não monitoradas. Aliás, nenhuma medida, nesse sentido, está totalmente livre do apetite arrecadatório governamental.
Desse modo, sabemos que o Brasil possui uma máquina pública onerosa e ineficiente, numa busca permanente de novas formas de aumentar a arrecadação. Por outro lado, observamos um governo que não tem a intenção real de se empenhar na redução das suas despesas. E, no meio de tudo isso, está uma legião de trabalhadores que vivem na informalidade sendo o alvo prioritário das medidas recentes.
Portanto, a tentativa do convencimento de que monitorar movimentações financeiras de R$ 5000,00 busca alcançar os grandes contribuintes não se sustenta de pé. Aliás, a possibilidade real de se alcançar essas pessoas, mais uma vez, foi engavetada junto com a PEC que tratava deste assunto.
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O debate ético e econômico por trás do PIX
Além de tudo o que já foi dito, existem questões que merecem uma análise cuidadosa. Ainda que seja legal, é legítimo monitorar as transações financeiras daqueles que vivem na informalidade? Qual o limiar entre viver na informalidade e ser empurrado para pobreza?
Nesse sentido, essa conduta tributária levanta questões que envolvem, muito além da arrecadação, a dignidade das pessoas por trás de cada CPF. Dessa forma, soa contraditório oferecer auxílio financeiro ao miserável enquanto se tributa pesadamente aqueles que deram o primeiro passo para fora da lama.
Na mesma linha, causa perplexidade observar as estratégias voltadas para arrecadar trocados de muitos, considerando os grupos que deveriam, efetivamente, está no radar da Receita Federal. Assim, ao analisar as escolhas recentes, possivelmente o debate sobre transparência, equilíbrio entre tributação e liberdade financeira continuarão pautando as agendas do governo por muito tempo.
Conclusão
O debate sobre o PIX expõe a fragilidade de comunicação do governo capitaneada por uma política de evitar os assuntos desagradáveis. Enquanto um lado escolhe se calar, o outro aproveita para expor, ao seu modo, as informações omitidas, tomando as rédeas do debate. No mesmo sentido, percebe-se que a falta de transparência em assuntos espinhosos é uma escolha, não um descuido como alguns poderiam supor.
Entretanto, apesar das dificuldades, há muito espaço para se avançar da direção de ações mais assertivas, claras e direcionadas aos devidos destinatários. Dessa forma, avançar na direção da informalidade para aumentar arrecadação, no lugar de tomar medidas de controle de gastos, não parece uma medida de fácil aceitação popular. Enfim, fica a questão: o PIX continuará não sendo taxado, ou nós sempre pagamos tributos sobre ele sem nunca ter percebido?
Escrito por Mauro Motta, fundador do site Olhar Financeiro, editor do blog e especialista em planejamento e educação financeira pessoal, cujo objetivo é tornar o conhecimento financeiro acessível a todos.