Enquanto o dólar ultrapassa uma após outra barreira histórica, a volatilidade do mercado global e os desafios econômicos internos colocam em xeque as perspectivas do Brasil no cenário atual. Será que existem soluções imediatas ou devemos aceitar uma nova realidade cambial?
O dólar fechou o dia de hoje batendo mais um recorde, cotado a impressionantes R$6,26 e consolidando uma sequência de altas que há meses preocupa investidores, empresas e consumidores brasileiros. Entretanto, esse patamar histórico reflete mais que as tensões internacionais, ele coloca luz sobre as fragilidades internas da economia brasileira, que têm sido expostas constantemente.
A escalada da moeda americana é sintomática de um cenário em que tanto fatores externos, como as incertezas globais, quanto problemas domésticos, como a falta de controle fiscal, concorrem para criar um ambiente de volatilidade e insegurança.

O impacto das variáveis globais no câmbio brasileiro
O comportamento recente do dólar reflete um cenário global de diversas incertezas e tensões econômicas. Desde outubro, diversos fatores externos têm concorrido para a moeda americana apresentar uma escalada de altas. Entre eles, pode-se destacar a desaceleração econômica da China, que possui impacto direto nos países emergentes, incluindo o Brasil. Nunca é demais enfatizar que a China, há muito tempo, é o grande consumidor mundial de comodities.
Além disso, as taxas de juros que se mantém elevadas nos Estados Unidos, impulsionadas por um Federal Reserve cada vez mais cauteloso, tornam o mercado americano bem mais atraente para os investidores internacionais, drenando, assim, recursos e investimentos das economias emergentes.
Do mesmo modo, observa-se no cenário político global que, figuras como Donald Trump com seus posicionamentos assertivos e algumas vezes imponderados, têm gerado impactos significativos nas posições do mercado por aqui. A retórica protecionista do presidente eleito americano, que inclui possíveis taxações contra China, Índia e até o Brasil, como dito em comentários recentes, inflama os mercados e reforça o movimento de aversão ao risco. Assim, observamos a amplificação da pressão sobre moedas de mercados emergentes, que enfrentam uma das maiores desvalorizações em anos.
Veja também: Automob (AMOB3) Estreia na B3 Com Valorização Expressiva
Um Olhar Para o Brasil: e a Sua Bola De Neve Fiscal
Somado a isso, internamente, a dinâmica fiscal do Brasil tende a agravar ainda mais o cenário de valorização do dólar. Devemos lembrar que o país encerrou 2023 com um aumento considerável do seu déficit público, que cresceu cerca de três pontos percentuais do PIB, valor que não deve ser desprezado. Como não há mágicas na economia, esse déficit tem sido financiado por uma dívida pública que já era cara e, com a escalada do dólar e a elevação dos juros, tornou-se ainda mais onerosa.
Essa trajetória de endividamento é particularmente preocupante. Isso porque não há sinais concretos de ajustes fiscais no curto prazo. Aliás, para os mais céticos, nem no médio prazo. Aliado a isso, vivemos uma antecipação do período eleitoral, onde qualquer tentativa de cortes de gastos ou medidas impopulares tende a ser postergada. Como resultado, observamos os mercados precificando esse descontrole fiscal de forma também antecipada, trazendo os impactos negativos para o presente.
Dessa forma, os investidores, tanto locais quanto internacionais, percebem um Brasil sem um plano claro para estabilizar sua dívida pública, o que alimenta ainda mais a desconfiança e reforça a tendência de fuga de capital.
A Questão da Sazonalidade e a Atuação do Banco Central
Com a chegada do fim de ano, há ainda um fator sazonal a ser considerado: as previsíveis remessas de lucros e dividendos para o exterior das empresas estrangeiras instaladas no país. Dessa forma, é um período em que aumenta significativamente a demanda por dólares. Embora o Banco Central tenha atuado na última semana para tentar conter a volatilidade, ofertando diariamente dólares no mercado, o impacto tem sido bastante limitado.
Além disso, é importante lembrar que essas operações pontuais não substituem a necessidade de um plano macroeconômico robusto. Sem as esperadas reformas estruturais e uma sinalização clara de comprometimento fiscal, essas intervenções servem, no melhor dos casos, apenas como paliativos.
Veja também: Reforma Tributária: O Brasil Pode Ter O Maior IVA Do Mundo
O Arcabouço Fiscal: Uma Resposta Insuficiente
Na mesma toada, o tão discutido arcabouço fiscal, aprovado pelo Congresso, até foi recebido como um passo na direção certa, mas seu impacto, após serem expostas as suas fragilidades, mostrou ser insuficiente para corrigir a trajetória preocupante da dívida pública brasileira.
Desse modo, ele propõe uma transição modesta, com um ajuste gradual, incapaz de enfrentar a gravidade da situação atual. Assim, existem inconsistências quanto ao limite de gastos por conta das regras de reajuste dos benefícios, somada a alta volatilidade do nosso PIB, um fator de retardo do ajuste fiscal no médio e longo prazo e não considerados nesta equação.
Além disso, a inabilidade política do governo em relação ao tema tem gerado incertezas adicionais. Discursos ambíguos sobre controle de gastos, somados a falta de um esforço coordenado para avançar nos ajustes com ações mais vigorosas, alimentam a percepção, bastante sensata, de que as mudanças estruturais necessárias estão sendo deixadas para depois. Dessa forma, como resultado, percebe-se um mercado financeiro cada vez mais desconfiado, trazendo as consequências negativas para o presente, em vez de deixá-las para o futuro.
Trump Trade e a Desvalorização Das Moedas Emergentes
Outro elemento importante no cenário atual é o chamado “Trump Trade”, uma expressão que vem ganhando força no mercado financeiro. O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2025 vem ladeado de expectativas de fortes medidas protecionistas. Desse modo, declarações sobre o aumento de tarifas sobre países como China, Índia e, recentemente, o Brasil, embora ainda não materializadas, já são capazes de impactar os fluxos financeiros globais, contribuindo para a valorização do dólar em relação às moedas emergentes.
Há de se destacar, entretanto, que neste contexto, a moeda brasileira apresenta um desempenho pior que o dos seus pares em economias similares. Quando comparada a um grupo de 21 moedas de mercados emergentes, o real aparece como uma das que mais perdeu valor, reforçando os alertas de que a fragilidade fiscal doméstica amplifica os efeitos negativos do cenário externo.
Veja também: Controle Financeiro Pessoal – Dicas Práticas
O Custo Da Dívida e a Falta De Perspectivas Concretas
Outro ponto crítico na análise é o custo exorbitante da dívida pública brasileira. Hoje, o Brasil convive com uma taxa de juros de 12,25% ao ano e, como consequência, observam-se as dificuldades enfrentadas pelo país em rolar sua dívida de maneira sustentável. A capacidade atual de arrecadação do governo, medida pelo crescimento econômico, gira em torno de 2%, valor aquém do necessário para cobrir o aumento dos gastos e equilibrar as contas públicas.
Dessa maneira, a ausência de perspectivas de ações políticas que levem a ajustes fiscais céleres, efetivos e suficientemente profundos coloca o país em uma posição demasiadamente vulnerável. Os mercados já precificaram a deterioração das contas públicas, o que agrava ainda mais a desvalorização cambial e o aumento do custo da dívida.
Um período eleitoral antecipado e seus impactos no mercado
Por outro lado, outro elemento que não podemos ignorar é a antecipação do período eleitoral. O comportamento político do governo tem sido interpretado como já focado nas eleições de 2026. Recentes comentários do governo durante o processo de tramitação do PL da Reforma Tributária, demonstram essa antecipação do calendário eleitoral, o que reduz as chances de adoção de medidas impopulares, mas necessárias, como o corte de gastos.
Essa antecipação eleitoral também influencia o mercado financeiro, que começa a projetar cenários futuros com base nos sinais mostrados da tendência política do país. A saúde do presidente Lula, por exemplo, e as discussões em torno de sua sucessão levam à interpretação de serem partes de um ciclo de instabilidade política que contribui, em boa dose, para a falta de confiança no Brasil como destino seguro de investimentos.
Estamos diante de um novo normal para o dólar?
A questão central é se a recente valorização do dólar representa um fenômeno transitório ou, pelo contrário, se estamos, de fato, entrando em um “novo normal”. Embora o cenário global contribua para a pressão sobre a moeda americana, não se pode ignorar, que os fatores domésticos estão desempenhando um papel decisivo.
Dessa forma, a falta de controle sobre as contas públicas, combinada com uma retórica política que não inspira confiança nos mercados, cria um ciclo vicioso de desvalorização cambial e aumento do custo da dívida pública. Assim, não havendo uma mudança estrutural significativa, é provável que o dólar permaneça em patamares elevados, com impactos diretos sobre a inflação, o poder de compra da população e o crescimento econômico do país. No longo prazo, apenas um ajuste fiscal robusto e uma mudança na percepção do mercado poderão trazer estabilidade à economia brasileira. Enquanto isso, seguimos observando, com cautela, se este será mesmo o “novo normal”.
Escrito por Mauro Motta, fundador do site Olhar Financeiro, editor do blog e especialista em planejamento e educação financeira pessoal, cujo objetivo é tornar o conhecimento financeiro acessível a todos.